16º Edição
24/04/2020
Entenda os impactos da COVID-19 na economia brasileira
Entrevistado: Pedro Renault, Economista Sênior do Itaú BBA.
16º Edição (07/10/2020)
Entenda os impactos da COVID-19 na economia brasileira
Entrevistado: Pedro Renault, Economista Sênior do Itaú BBA
Começa agora a sua imersão no mundo dos investimentos, está no ar o Investcast, o Podcast do Itaú Unibanco para acionistas bem informados.
Esta é a edição número dezesseis do Investcast do Itaú Unibanco, o meu nome é Cassio Politi, e hoje ao lado do Pedro Renault, nós vamos falar dos impactos da pandemia do coronavírus na economia. Pedro, antes de tudo, é uma honra, é uma satisfação ter você aqui mais uma vez conosco no Investcast, obrigado pela sua participação aqui.
Pedro Renault: A honra é minha Cassio, obrigado pelo convite.
Cassio Politi: Pedro, a gente está vivendo uma crise mundial, em função da COVID-19, o governo federal e alguns governos estaduais foram obrigados a elevar, de forma muito significativa, os gastos públicos né, Nesse momento é possível prever o impacto no PIB brasileiro e prever até quais vão ser esses impactos no longo prazo?
Pedro Renault: Perfeito, assim, colocando alguns pontos básicos para a gente começar essa discussão. O corona ele é uma crise que tem uma natureza de saúde pública muito forte e alarmante visto que ele causa impactos econômicos, e que tem até um pouco a ver com a escolha entre tentar evitar ao máximo a propagação da doença, que é o caminho que a maioria dos governos tem seguido, ou tentar manter as coisas meio abertas e evitar um impacto na economia. Na hora que a gente restringe movimentação de pessoas, restringe a atividade econômica, a gente naturalmente cria um vale aqui no curto prazo, e a grande dúvida, pensando em impacto econômico, é primeiro o quão profundo é esse vale, segundo o quão duradouro ele é e qual a capacidade de retomada lá na frente. A gente projeta, aqui no Itaú, uma contração de 2,5% do PIB nesse ano, mas esse número ele tem muita incerteza em torno de si porque, primeiro, ele depende do tamanho da contração que a gente deve observar na primeira metade desse ano, a gente acredita que ela deve ser uma queda ali perto de uns 9% do PIB no primeiro semestre; segundo, da velocidade de retomada lá na frente, você bem mencionou, os governos estaduais e governo federal principalmente têm colocado bastante gasto a mais. Para tentar o que? Criar uma certa ponte sobre esse vale de curto prazo. O gasto, eu sei que, por exemplo, da última vez que a gente conversou aqui a gente via ele como uma coisa ruim no Brasil, o gasto excessivo do governo sendo uma causa de desequilíbrio fiscal que causou a crise que a gente viu nos últimos anos. Agora em 2020 ele é parte do remédio, a gente precisa ter gasto forte nesse ano, mas que seja concentrado nesse ponto do tempo também, isso eu acho que é uma coisa que eu vou ter a oportunidade de comentar mais para a frente, mas, só fazendo o ponto aqui, esse gasto ele mitiga um pouco o impacto que eu tenho no curto prazo. Eu coloco liquidez na economia, eu trago linhas de financiamentos via BNDES, por exemplo, para as empresas que precisam disso, eu coloco renda mínima ali né, aquele “corona voucher” como a gente tem chamado o pacote de R$ 600,00 por mês para trabalhadores informais, pessoas em situação mais precária, e aí eu tento mitigar o tamanho do problema. Agora, se a economia vai ficando mais tempo fechada, e isso é uma incerteza grande, a gente vê que, por exemplo, os prazos de quarentena acabaram se esticando mais do que inicialmente as pessoas acreditavam, a gente vai tendo uma recuperação que ela, primeiro, tarda mais para chegar; segundo, ela pode ser mais fraca, porque o desemprego aumenta em alguma medida, as empresas, as que não têm problemas e chegam a fechar as portas. mesmo assim acabam se alavancando mais para poder sobreviver no curto prazo e elas acabam com a capacidade de recuperação, lá na frente, menor. Tudo isso para dizer o seguinte, a gente projeta 2,5 de contração nesse ano. O FMI revisou recentemente projeções, inclusive para o Brasil, e colocaram queda para esse ano de 5,3 por aqui. Parece uma diferença gritante, 2,5 e 5,3, se a gente pensa nas hipóteses por detrás, poucas semanas de atraso com o padrão de recuperação um pouco mais lento já nos leva desses 2,5 para os menos 5,3. Então é um cenário que, primeiro, está muito incerto ainda; segundo, que pode ter uma queda pior do que essa que a gente tem trabalhado, que já é bastante intensa, pelo simples fato de que a gente tem uma incerteza grande sobre quando a coisa de fato acaba.
Cassio Politi: Pedro, se eu entendi bem são nove no primeiro semestre, e você então recupera para menos dois e meio no final do ano. Então, é um segundo semestre de recuperação. E dá para projetar, então, 2021 de recuperação também na esteira desse segundo semestre?
Pedro Renault: Perfeito, eu acho que essapergunta é excelente porque você consegue elucidar o ponto que é o seguinte, a gente tem uma contração que ela é muito forte agora, mas com repique na segunda metade do ano, como você colocou. No ano que vem a gente deve ter um ano mais ou menos normal, em termos de velocidade de crescimento. O que acontece? A conta de PIB, esses números, por exemplo, o menos dois e meio que eu falei, o PIB do Jornal Nacional ali que sai no final do ano, ele não é a diferença entre dezembro de 2020 com dezembro de 2019, por exemplo, ele é a média da produção no ano contra a média do outro. Como nesse ano eu tenho alguns meses onde a produção vai estar muito baixa, a média de 2020 vai ficar poluída, e aí é por isso que mesmo com a retomada no segundo semestre, que provavelmente não vai compensar todo o buraco do primeiro, mas ela vai trazer alguma volta para níveis mais normais de atividade econômica, a gente vai ficar com um número bem fraco de 2,5% nesse ano, ou até pior que isso. Para o ano que vem, a mesma lógica vale, eu estou comparando médias, a média de 2020 é que está muito baixa, então quando eu comparo 20 com 19 eu fico com um resultado ruim, quando eu comparar 21, que vai ser uma ano mais ou menos normal, começando de um nível já alto que vai ser dezembro de 2020, ele vai estar com a média lá em cima, e aí eu vou comparar com a média lá embaixo de 2020 e vou ver um salto grande. A gente projeta crescimento de 4,7% do PIB no ano que vem. Fica parecendo que é um salto então em 2020, mas na verdade ele acontece no segundo semestre desse ano. Ele não nos leva 100% para a trajetória pré-crise, ou seja, a gente não tem aqui o que a gente chama de recuperação em formato de “v”, que é quando eu caio muito rápido e volto muito rápido, eu tenho um “v” manco ali, na melhor das hipóteses, onde eu tenho uma queda rápida e uma volta um pouco mais lenta. A gente projeta, com esses 2,5% de queda, que o Brasil vai recuperar uns 70% do buraco que foi cavado agora. É esse tamanho aqui da recuperação, se é 70 se é 100, se é 50, que me dá uma sensibilidade grande aqui do resultado do PIB. Por exemplo, eu tenho 2,5% de queda, considerando que a partir do fim de abril a atividade econômica começa a normalizar de forma gradual. Esses 2,5% de queda são com 70% de recuperação que eu mencionei. Se, ao invés de 70% eu tiver 100, a minha queda já fica menor do que 1%, se eu tiver 25% de recuperação em vez dos 70, eu já fico com uma queda perto dos 5%. Então isso é que pode definir muito a acessibilidade do que a gente vai ver nesse ano.
Cassio Politi: Pedro, essa crise ela parece ser muito diferente das que a gente andou vendo nos últimos anos, porque tem um fator muito novo, que é a pandemia. Faz, pelo o que a gente conhece da história, faz um século ou mais que a gente não vê uma pandemia acontecer. Dá para dizer que essa crise do coronavírus é diferente das crises mais recentes que a gente viu acontecer no mercado?
Pedro Renault: Ela é bem diferente sim, tá, se a gente compara, vamos dizer com a recessão mais recente aqui no Brasil em 2015, 2016, seja com a crise global de 2008, as crises cambiais do fim dos anos 90, a gente tem um elemento aqui que é o seguinte, o que você colocou, uma pandemia, é um choque que nasce fora do sistema econômico. Mas quanto mais tempo a gente fica parado, mais econômico esse problema vira, porque eu vou entrando em dificuldades que são similares, por exemplo, às pós 2008: falta liquidez, as empresas começam a ter que fechar as portas, o desemprego sobe. E aí a coisa que é meio passageira ela vai ficando cada vez mais definitiva. A gente tem, primeiro, essa diferença; a gente tem, em segundo, uma diferença na resposta. Em 2020, esse nível de estímulo público que a gente comentou brevemente no Brasil, de gastos sendo elevados, no mundo ele tem vindo até mais forte, porque o mundo, em geral, tem mais espaço que o Brasil para fazer gasto, e isso já é bem maior em termos de pacotes de ajuda do que foi pós 2008. Pode acabar ajudando. Agora, é uma crise onde, por ter a natureza que vem além da econômica, ter todo o drama ali da saúde pública, eu também tenho os governos forçados a combater em mais de um fronte. E isso, pensando em história aqui, em guerras por exemplo, a gente sabe que normalmente é algo um pouco mais difícil, então eu vou ter uma batalha em mais dimensões em 2020. Uma coisa interessante aqui é como, por exemplo, o sentido da palavra contágio. Em crises anteriores contágio era financeiro, era, por exemplo, quando a Tailândia quebrava lá em 97 e levava junto a Coréia do Sul. Hoje em dia o contágio ele voltou a ter o sentido biológico, é uma crise que começou na China e ela não teve só o impacto econômico, ela teve o contágio mesmo de se espalhar para o resto do mundo inteiro. E aí é uma coisa bem mais desafiadora, inclusive um choque que tipicamente, ele é de oferta, uma pandemia que faz as pessoas ficarem trancadas em casa, que faz que eu tenha uma queda de produção, uma substituição de cadeia de suprimento, que significa uma paralisação de curto prazo, mas que ele é um choque de demanda também, pelo que eu comentei brevemente ali de, por exemplo, o desemprego subindo, de empresas investindo menos. E aí que, por causa desse componente de demanda, que é mais duradouro, vai fazendo o risco de eu ter uma coisa bem pontual no tempo, porque pensando em extensão de meses essa é uma crise que não deve ser tão longa assim, sempre tem o risco alto de uma segunda leva mas, pensando num cenário básico onde ela não ocorre isso passa relativamente mais rápido que uma crise econômica, mas que, por ter essa nuance de que vai criando problema financeiro, vai criando desemprego, vai criando alavancagem, vai quebrando as empresas, ela pode acabar durando bem mais.
Cassio Politi: Pedro, e a Selic, como é que fica nesse caso? Ela também, obviamente, ela não segue o seu leito natural. E o que a gente espera, então, nesse cenário de pandemia, da Selic?
Pedro Renault: Perfeito, essa é mais uma diferença, né Cassio, na verdade se a gente pensa no passado, qual que era a caixa de ferramentas básicas para lidar com uma crise, por exemplo, em 2008? Os bancos centrais cortavam o juro, injetavam liquidez na economia, e isso tem sido feito agora, só que a causa por detrás é outra. Lá em 2008 o corte de juro, injeção de liquidez funcionava como um antibiótico, ele atacava o problema. Agora, pelo menos no curto prazo, ele é mais um paliativo, porque ele não mata vírus, ele ajuda a empresa que está endividada a rolar dívida, lá na frente ele ajuda na recuperação via condições financeiras mais favoráveis. Agora, ele não é tão positivo no curto prazo quanto ele foi em crises passadas. Mesmo assim, ele deve ocorrer. O Banco Central hoje ele está com a taxa em 3,75%, a nossa projeção é que ela caia para 2,5, e essa projeção aqui ela é baseada em algumas coisas: primeiro a leitura de que eu tenho bem mais riscos para baixo na inflação do que para cima, eu tenho esse curto prazo aqui de atividade econômica muito deprimida, eu tenho desemprego elevado; segundo, a percepção de que, na parte dos riscos para cima, eu vou ter um cenário minimamente contido. Que é o seguinte, o Banco Central ele não conseguiria cortar juro se esse gasto a mais que está entrando do governo fosse percebido como algo estrutural, ou seja, uma reversão dos ajustes que a gente fez até agora. O juro no Brasil ele só caiu porque a gente está com a dinâmica fiscal contida, o Brasil parou de gastar demais, dívida parou de se elevar em uma trajetória exponencial, e aí o Banco Central conseguir dar estímulo. Esse ano a gente vai ter um salto de dívida, mas se a percepção, que por enquanto é cenário base aqui, for de que esse salto de dívida fica contido em 2020, aí não tem porque o Banco Central não dar um pouco mais de estímulo. O que é mais ou menos um pouco o que eles têm sinalizado, que eles observam o fato, que é a economia deprimida, e eles observam o risco, que é o desequilíbrio fiscal. Não existindo esse risco, e aí para isso coisas como, por exemplo, orçamento de guerra, que está em discussão no Congresso, são muito importantes, eles devem cortar mais. Então o nosso cenário base, como ele contempla um aumento pontual em 2020, ele também tem queda de juros, vai para 2,5 provavelmente em passos de 50 agora nas próximas reuniões, e depois no final, de 25. E aí fica aí o patamar baixo um bom tempo para ajudar na saída da crise.
Cassio Politi: Existe algum setor no Brasil que tende a ser mais prejudicado e, aliás, que possa até tomar uma medida para amenizar esse impacto negativo?
Pedro Renault: Perfeito, ele é bem assimétrico nos setores, os impactos, porque, por exemplo, se a gente pensa em serviços: eu dou graças a Deus a gente está gravando isso aqui remotamente porque eu já estou com o cabelo bem grande, fiquei muito tempo sem cortar, na hora que as coisas voltarem, eu vou cortar só uma vez. Eu não vou compensar o meu pouco consumo de salão de cabelereiro na primeira metade do ano. Isso vale para uma série de serviços que vão simplesmente perder esses meses. Tem outras coisas, como, por exemplo, consumo de bens, principalmente os mais duráveis ali, que as pessoas acabam só postergando e aí elas podem retomar isso lá na frente, supondo, óbvio, que eu não tenha muita mudança de hábito, que é algo que em alguma medida vai acontecer também, as pessoas ficam com o consumo mais cuidadoso, elas se seguram um pouco mais.
Comecei falando então sobre serviço, que deve ser um dos setores que mais sofre. Qual que provavelmente sofre menos? Aqueles onde as restrições de isolamento elas não são algo tão drástico ali. Por exemplo, na agricultura eu tenho naturalmente já uma população que está mais espalhada, no interior do País que a gente sabe que tem feito medidas menos drásticas, vamos dizer assim, onde o risco é na verdade mais baixo, exatamente por causa dessa questão de densidade, com o dólar que está alto, que ajuda na vida do exportador, uma demanda por commodities que naturalmente está mais baixa, mas que em grande parte dos casos aqui nas commodities agrícolas no Brasil, por exemplo, não compensa tanto, a demanda mais baixa não compensa a alta do dólar, e aí eu posso ter um setor com o desempenho bem positivo. Deve ser o que se destaca no Brasil aqui nesse ano de 2020.
Você mencionou sobre medidas que a gente poderia fazer. Pensando em vez de setores, em tamanhos, a gente vê que nas pequenas e médias empresas é onde a situação deve ficar mais difícil, já está, porque naturalmente são essas que têm mais dificuldade de acesso a financiamento, dificuldade de caixa. E aí, para isso, uma coisa muito interessante que tem sido feita são as linhas que o governo está disponibilizando, por exemplo, via BNDES para manter pagamento de folha de pagamento, medidas de postergação de recolhimento de imposto, que no fundo funciona como se fosse um capital de giro, né, porque eu deixo de pagar o imposto e aí eu fico com um caixa ali a mais. Essas coisas eu acho que são bem interessantes, ajudar a chegar na ponta ali esse fôlego a mais para sobreviver até os próximos meses.
Cassio Politi: A gente está falando aqui então de setores, você está falando de setores que vão bem ou que vão mal naturalmente na crise, mas dá para enxergar oportunidades aqui, ou deu para enxergar agora oportunidades, empresas que aproveitaram o momento para, ou por meio de inovação, ou por meio de alguma situação inesperada, que criaram uma situação favorável Pedro?
Pedro Renault: Perfeito, eu acho que sim, isso é evidenciado até pela forma que a gente está gravando esse Podcast hoje, remotamente né. A gente tem soluções que muitas delas não surgiram por causa da crise, já estavam aí, mas que não tinham seu destaque devido que, provavelmente, vão se alavancar muito agora para frente. Reunião de uma forma remota, por exemplo, é uma coisa que, provavelmente, vai se tornar o padrão de algumas empresas. Eu viajo muito para ver cliente do Banco, por exemplo, provavelmente eu vou viajar menos à frente, vou confiar mais nessas alternativas digitais aqui para ter uma rotina mais eficiente. Então eu acho que, assim, quem que é o ganhador mais óbvio desse cenário aqui? É quem, via tecnologia, está conseguindo permitir ações mais remotas, aumentar eficiência ali pensando na frente né, com redução de custo, e que aí está usando o COVID de certa forma como um palco ali para fazer a sua propaganda, vamos dizer assim. Sem nenhuma conotação ruim aqui, só querendo dizer que você ganha oportunidade de expor a qualidade do seu serviço.
Quem pode perder com isso, exatamente pensando mais a médio e longo prazo, quem tiver, por causa de mudanças estruturais, demanda menor pelo o que faz. Isso poderia ser o caso, por exemplo, de setor imobiliário pensando mais em corporativo. Se todo mundo realmente começa a fazer home office eu não vou ter tanta demanda por espaço comercial. Eu poderia, pensando em São Paulo, que é uma cidade que tem um grande turismo de negócios, se as pessoas começam a usar meios para fazer reuniões remotas, ter menos demanda por hotéis durante a semana. Então as coisas se reestruturam, como em toda grande crise. Depois de 2008, por exemplo, surgiram coisas que a gente usa hoje como se fossem já tradicionais: Uber, Airbnb, elas vieram mais ou menos criadas ali pela oportunidade que surgiu lá atrás. E a gente pode esperar que, em 2020, a gente também tenha isso. Óbvio, aqui nesse caso, muito puxado por esse setor de tecnologia que é exatamente o que está trazendo ali o atalho, a forma de contornar esse problema.
Cassio Politi: Pedro, para a gente encerrar, você acredita que possa haver algum efeito de pressão inflacionária ainda neste ano, ainda em 2020?
Pedro Renault: Essa é uma pergunta que é bem interessante, porque se a gente pensa, por exemplo, no câmbio, eu brinco que o dólar já passou da Lua e está indo em direção a Marte agora, em um valor que a gente considera, inclusive, ser muito descolado do fundamento, e entende que ele esteja descolado por uma questão de pressão de risco, percepção de risco, os prêmios elevados, por uma questão de volatilidade dos mercados, juro baixo aqui no Brasil acaba afetando a sensibilidade da moeda. Mas me desviei um pouquinho, voltando para o ponto, a gente tem um câmbio que está muito pressionado, e isso naturalmente bateria na inflação.
O que que acontece? O coronavírus ele tem tido um efeito que a gente enxerga como deflacionário, mesmo no curto prazo, porque o real perde força contra o dólar, verdade, mas commodities, principalmente as energéticas, aqui o petróleo, que perdem bem mais. E aí o que acontece? commodities em reais, que são um dos principais mecanismos de tradução do câmbio para a inflação, recuam, e aí eu não tenho essa pressão. No curto prazo o que está acontecendo, inclusive, é que eu tenho tanto excesso de oferta de petróleo no mundo que, no início dessa semana, eu tive contratos curtos do petróleo com o preço negativo, que é basicamente as pessoas pagando para que alguém leve aquele petróleo ali, porque, coisa meio técnica, mas se o contrato ele chega no final, ele se converte em entrega de petróleo, e ai quem estava segurando aquilo às vezes para especular, precisa se livrar daquilo rápido e aí paga para alguém tirar esse contrato da sua própria mão. Esse preço está muito baixo, assim, o negativo é uma coisa técnica, mas o preço do petróleo no geral, recuou demais, isso indica preços de combustíveis que vão caindo, como tem acontecido nas últimas semanas. E aí essa pressão na inflação fica negativa, obviamente.
Se a gente pensa isso de forma mais estrutural do que só esse choque, a gente tem o preço de serviço como o principal componente do IPCA. Serviço é salário, salário é desemprego, e ele já vinha caindo devagar, então, sem trazer muita pressão agora, no curto prazo ele deve subir. O desemprego está perto de 11,5 e a gente estima que ele vai passar dos 15 até metade do ano. Volta relativamente rápido também nesse nosso cenário aqui de recuperação, mas vai ter um pico, e na hora que ele tem esse pico ele gera mais pressão negativa ainda sobre a inflação de serviço.
Então, para 2020, o quadro inflacionário ele é muito bem comportado, porque o Banco Central está preocupado, vamos dizer assim, onde ele está tentando e vai calibrar um pouco a dosagem do corte de juro, não é tanto sobra o risco de inflação desse ano, e sim o risco de a gente ter uma dinâmica fiscal insustentável de novo. Eu mencionei algumas vezes que a gente espera um déficit grande em 2020, é de 8% do PIB. Imenso. Mas a gente acredita que em 2021 esse déficit volta para baixo dos 1%, que a gente vai nesse caminho, com uma inflação contida nesse ano e o fiscal contido lá na frente, não tem o porquê, de novo, a gente não ter mais estímulo aqui na economia brasileira. Mas não acho que vai ser a inflação que vai determinar isso, vai ser o fiscal e as perspectivas de quão sustentáveis vão ser os estímulos que a gente faz em 2020.
Cassio Politi: Pedro, muito obrigado pelas informações tão precisas e tão didáticas que você transmitiu mais uma vez aqui. Te agradeço muito pelo seu tempo, e espero contar com você mais vezes aqui no Investcast Itaú Unibanco, Obrigado viu, Pedro.
Pedro Renault: Eu que agradeço pela gentileza e pelo convite Cassio, até a próxima.
Cassio Politi: Você ouviu o Pedro Renault, Economista Sênior do Itaú BBA, no Podcast que foi gravado no dia 22 de abril de 2020, tratando do tema da pandemia da COVID-19. Aliás, o Pedro Renault participa ativamente de outros Podcasts do Itaú. Eu convido você a ouvir esses outros Podcasts: o Itaú Morning Call, e o Itaú Views. Eu espero você nos próximos programas. Até lá.