Endividamento por Propósito
Conforme tocamos o dia a dia, necessitamos de caixa para bancar investimentos e demandas de capital de giro. Tomamos dívidas para completar os recursos próprios advindos do caixa gerado pelo negócio.
Conforme o propósito do uso do caixa precisamos escolher o empréstimo mais adequado a completar os recursos próprios
Se tomarmos empréstimos que não se adequem muito bem ao propósito relacionado ao que se estará financiando, aumentamos o nível de risco do negócio: seja por descasamento de prazo, seja por insuficiência de fundos, seja por descasamento de moeda, estruturas de empréstimos inadequadas nos fazem “trocar as pernas” e gerar riscos desnecessariamente.
Portanto, é importante casarmos o propósito de um empréstimo com os elementos de sua estrutura (montante, moeda, prazo e garantias).
Para isso, primeiro precisamos ter bem claro o propósito do empréstimo: o cerne da demanda do negócio que nos faz buscar um empréstimo. – Para que buscamos esse empréstimo?
Tipicamente temos os seguintes propósitos:
- Incrementar reserva de caixa para um período de baixa liquidez;
- Segurar estoques de produtos para distribuir as vendas ao longo de alguns meses pós-colheita;
- Financiar produção de safra anual;
- Financiar implantação de cultura semi-perene;
- Financiar implantação de cultura perene;
- Reposição ou construção fertilidade e estrutura de solo; Reposição ou incremento de máquinas e equipamentos; Reforma ou construção de benfeitorias;
- Compra de novas terras.
Do propósito derivam as características da operação financeira mais adequada – a estrutura do empréstimo – que envolvem: o montante a ser financiado, o fluxo de repagamento, o prazo total da operação, a moeda do empréstimo e até mesmo o pacote de garantias mais apropriado.
Estrutura da operação
Componentes da Estrutura da Dívida
Tendo em mente que é do propósito da dívida - o que vamos fazer com ela - que derivam os componentes da sua estrutura – encontra-se o produto financeiro mais adequado à necessidade do produtor. Vamos entender como isso funciona.
- Montante
O montante de recursos precisa estar adequado ao seu uso, ao propósito da dívida, e temos dois vetores para nos auxiliar na definição do montante adequado: o (i.) risco envolvido neste propósito e o (ii.) prazo com o que conseguiremos gerar caixa a partir do uso desta dívida.
Por exemplo, numa estocagem, com o produto bem guardado, pronto para o mercado, o risco envolvido é relativamente baixo, e o prazo de venda desse estoque é bastante curto. Portanto, poderíamos financiar uma proporção relativamente alta do valor estocado: entre 70 e 80%.
Já no caso do financiamento de uma lavoura, correremos bem mais risco do que corremos com estoques armazenados - frustração de safra, queda de preço, falta de liquidez no mercado, problemas de qualidade - e até a realização do caixa dessa lavoura teremos praticamente um ano pela frente. Então, deveríamos financiar uma proporção mais modesta do valor envolvido na lavoura: entre 50 e 70%.
Numa operação para a compra de terras, e outros investimentos que dependem de geração de caixa no longuíssimo prazo, muitos riscos podem se materializar neste prazo tão longo. Então, precisamos ser extremamente comedidos na proporção financiada: não mais do que 50%.
Por outro lado, em financiamentos de projetos, precisamos nos assegurar que o montante financiado nos ajude realmente a completar o projeto.
Um dos grandes riscos em projetos de investimento é a falta de fundos para completá-lo diante dos imprevistos, que podem levar a gastos adicionais. Devemos sempre orçar um colchão adicional para contingências sobre o valor estimado do projeto, e buscar financiar até 70% do montante total, incluindo as contingências. Mas precisamos estar seguros de que teremos recursos próprios livres no caixa, para os demais 30%.
Uma situação negativa muito comum entre produtores é subestimar o valor do projeto (como em casos de abertura de área, implantação de nova fazenda) e, para completá-lo, buscar financiamentos de curto prazo, adiantamento de safra, que são inadequados para um propósito que requer recursos de longo prazo.
- Prazo e Fluxo de Repagamento
O prazo e o fluxo de repagamento do empréstimo também precisam estar completamente alinhados com o propósito pelo qual estamos tomando o empréstimo, para que mantenhamos as nossas finanças em ordem.
Um estoque tende a ser guardado por poucos meses até que seja desovado no mercado. Portanto, basta um financiamento de curtíssimo prazo para atender esta necessidade.
Adicionalmente, o repagamento de um financiamento de estocagem precisa ser repartido em tranches que coincidam com as entradas de caixa das vendas: por exemplo, se um grande estoque de algodão será desovado em bateladas durante 3 ou 4 meses, assim precisaria ser repago o eventual financiamento de sua estocagem.
O financiamento de uma lavoura de ciclo muito curto deveria ser de prazo mais curto que uma lavoura de ciclo de produção e comercial mais longo: o ciclo de caixa da soja, por exemplo, tende a ser bem mais curto - 270 dias - que o do algodão - 400 dias.
Empréstimos que tenham uma proporção muito grande do propósito financiado devem ser divididos em repagamentos distribuídos ao longo de alguns meses, pois dependerão de bateladas de comercialização que não se realizam de uma só vez, não se concentram dentro de apenas um mês. Por exemplo, um financiamento que represente 70% do custo de produção, aproximadamente 50% da receita daquela lavoura, deveria estar distribuído em 2 ou 3 repagamentos, distribuídos em 2 ou 3 meses para evitar o desencontro entre recebimento da comercialização e o vencimento da dívida.
Caso um grande financiamento precise ser pago em apenas um 1 pagamento, precisamos verificar que tenha a data desse pagamento ocorra quando boa parte das vendas tenham sido feitas e que haja caixa reservado.
Investimento em benfeitorias, em solos, ou em maquinário não retornam em um ano ou dois. É necessário uma série de safras para que esses investimentos gerem caixa suficiente para repagar-se. Por isso, financiamentos para esses investimentos devem ser feitos necessariamente, disciplinadamente, com amortizações no longo prazo.
Prazos devem ser tão longos quanto a necessidade de tempo para um projeto se repagar.
Muitos investimentos, como abertura de área, culturas perenes, florestas, não geram caixa nos anos iniciais após a sua implementação - muito pelo contrário, ainda enfrentamos alguns anos de despesas antes dessas culturas tornarem uma geração de caixa positiva. Isto tem muita importância na definição da estrutura de uma dívida adequada ao seu propósito: nestes casos é necessária a inclusão de carência no repagamento do valor principal do empréstimo.
Projetos que não geram caixa nos seus anos iniciais necessitam de um período livre de amortização do saldo devedor – necessitam de carência.
Para evitar carências muito longas em projetos que necessitem muitos anos para gerar caixa positivo, é importante que a empresa tenha caixa próprio livre para bancar boa parte do projeto. Por isso que, em casos de aquisição de terras, normalmente não podemos financiar mais do que 50% da compra, vindo o restante de reservas do próprio negócio.
Conforme o fluxo de geração de caixa de um projeto podemos também buscar um fluxo de repagamento do seu financiamento com ajuste ainda mais fino entre propósito e estrutura da dívida: fluxo de repagamentos em “escadinha”, com valores menores de amortização nos anos iniciais, e valores maiores quando o projeto já estiver gerando um caixa mais robusto.
- Moeda
Na estruturação de um empréstimo precisamos levar em conta a moeda envolvida no fluxo de caixa que vai repagar este empréstimo.
Um risco muito importante na agricultura brasileira é o descasamento cambial: muitas das commodities produzidas no Brasil são precificadas em bolsas internacionais, com preços em dólares. Nestes casos, a cotação em dólar é o vetor principal do preço local em reais. Portanto, mesmo tendo as vendas organizadas em reais, os valores ao longo da safra e de várias safras estão completamente associados ao preço internacional convertido pela cotação do câmbio no Brasil.
Não é uma relação absolutamente perfeita, como vimos na introdução da 1ª Estação - temos o diferencial chamado basis fazendo ajustes locais - mas é uma relação muito forte entre preço internacional multiplicado pela taxa de câmbio. Isso não podemos ignorar na gestão de um negócio agrícola.
Desta forma, a moeda de um financiamento também precisa estar de acordo com o seu propósito para que evitemos estresse financeiro. Em commodities fortemente dolarizadas como soja, algodão e café devemos buscar financiamentos também dolarizados para que haja casamento no fluxo de entradas e saídas entre o montante gerado de entrada da venda da produção e o saldo devedor dos seus financiamentos.
Da mesma forma, ao financiarmos produção de gado, feijão ou arroz, cujos preços são formados majoritariamente no Brasil, devemos financiar tudo o que lhes for relacionado em Reais.
A variação cambial tende a ser dentro de uma safra muito maior que as taxas de juros. Portanto, financiar na moeda inadequada por conta de juros nominais menores tende a não compensar.
Trata-se de boa prática de governança casar o fluxo de entradas com fluxo de saídas considerando a moeda envolvida: atividades cujo preço é primordialmente gerado no Brasil, portanto em reais, devem necessariamente ser financiada em reais; atividades cujo produto é cotado em bolsa Internacional devem ser financiadas em dólares, para que não haja descasamento entre a geração de caixa e o serviço da dívida.
- Garantias
O último componente da estrutura de uma dívida é seu pacote de garantias, que também deve sempre estar em linha com o propósito para o qual estamos tomando esta dívida.
O pacote de garantias deve, primeiramente, relacionar-se com o bem financiado, que chamamos de garantia âncora: por exemplo, em uma estocagem de milho, o penhor do milho armazenado é a garantia âncora adequada. No financiamento de uma máquina, a alienação fiduciária da máquina é a garantia âncora mais adequada. Já num caso de securitização de uma carteira de recebíveis, esses próprios recebíveis são a garantia âncora mais adequada.
Conforme o nível de risco do produtor, o prazo da operação e o seu montante, os agentes financiadores tendem a demandar camadas adicionais de garantias para reforçar a mitigação de risco, reduzir provisionamento de capital por trás do empréstimo e poder oferecer um preço mais competitivo.
Os agentes financeiros tendem a preferir garantias reais que possam ser executadas com mais segurança e mais celeridade. Isso reduz o montante de capital do banco que precisa ficar segregado para a operação e tende a gerar taxas de juros menores.
A figura abaixo mostra a relação entre risco do tomador x prazo da operação x tamanho da operação e camadas do pacote de garantias.
Portanto, há para o produtor dois caminhos na busca de financiamentos com custos competitivos:
- Trabalhar firme na gestão dos seus riscos e na transparência de sua situação financeira diante dos seus credores, buscando reduzir o pacote de garantias sem consequência no aumento da taxa de juros; ou
- Oferecer pacotes de garantia mais parrudos, para evitar taxa de juros mais alta.
Tipicamente reforços de garantia além da âncora no bem financiado podem envolver:
- Avais pessoais de sócios;
- Avais de empresas envolvidas no grupo econômico;
- Cessão de apólices de seguros envolvendo o bem financiado;
- Cessão de carteira de recebíveis ou de contratos comerciais;
- Hipoteca ou alienação de terras.
Dadas as dificuldades e inseguranças legais em execução de garantias no Brasil, nem sempre os bancos e outros agentes financeiros conseguem seguir a “cartilha” e buscar estruturar financiamentos com um pacote de garantias obedecendo a vinculação com o propósito do financiamento.Para tornar mais prático o entendimento dessa relação entre o propósito de um empréstimo, o nível de risco envolvido para o agente financiador e o pacote típico de garantias, você pode exercitar o conceito através deste aplicativo. Baixe-o no celular e teste a relação entre características da dívida e do tomador e pacotes de garantia.
Monitoramento de andamento de projetos relevantes
Projetos que sejam de valor relevante para a empresa precisam ter sua implementação monitorada para que se possa reforçar as bases de governança: especialmente disciplina e transparência.
As perguntas relevantes sobre o andamento de um projeto são:
- Estamos implantando este projeto dentro do prazo previsto?
- Os valores já despendidos estão de acordo com orçamento e a fase do projeto já concluída?
- Estamos implantando o projeto dentro do escopo previsto, ou seja, conforme tínhamos planejado?
Portanto, devemos estabelecer acompanhamento isento do andamento dos projetos mais relevantes em relação ao seu prazo, seu orçamento e seu escopo.
Naturalmente poderemos ter imprevistos e correções de rumo, mas não podemos aceitar que muitos projetos relevantes tenham constantemente necessidade de aumento de prazos e dispêndio, ou redução do seu escopo. Caso isso esteja acontecendo, precisamos reforçar a disciplina e a qualidade da gestão dos nossos projetos.
Capital para o investimento é sempre escasso e precisa ser bem empregado. Portanto, o uso deste capital dedicado aos projetos de investimentos precisa ser bem monitorado.
O primeiro passo para permitir que a empresa monitore andamentos de projetos relevantes é ter um bom planejamento físico dos projetos, seguido dos seus respectivos orçamentos financeiros. Sem os orçamentos com valores distribuídos conforme as fases do projeto, sem uma previsão de etapas de implantação, não teremos como monitorar o progresso de forma efetiva.
- E o que é um projeto relevante?
Trata se de projetos cujo valor ou cuja importância tem muito impacto para a empresa: Talvez os 5 maiores projetos do ano deveriam ser acompanhados até a sua finalização. Também projetos de sistemas, de digitalização, de organização de dados deveriam ser monitorados de perto do início ao fim.
Segue um exemplo de monitoramento de projeto em relação a prazo, orçamento e escopo: